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Por que a interação social é tão difícil para as pessoas autistas?

Por que a interação social é tão difícil para as pessoas autistas?

Neste artigo vamos entender o que causa a grande dificuldade que as pessoas autistas têm para socializar. Naturalmente, essa dificuldade tem a ver com a falta de instinto social. Mas agora vamos ampliar essa visão, olhando por um outro ângulo.


Por que a interação social é tão difícil para as pessoas autistas?


A falta do código social

Vamos começar com Jennifer Cook. Ela foi diagnosticada com autismo na idade adulta, depois que os três filhos tiveram seu diagnóstico. Jennifer é autora de vários livros sobre autismo; entre outros, da série Asperkids, que infelizmente não está traduzida para o português. Um dos livros desta série poderia ser traduzido como Guia secreto de regras sociais para Aspergers: um manual de diretrizes sociais não tão óbvias para adolescentes com a síndrome de Asperger.

É assim que Jennifer explica por que a interação social é tão difícil para as pessoas com autismo:

Nós não temos o código “social” programado no nosso cérebro. Os neurotípicos têm. Eles estão constantemente “tomando a temperatura social”.

Sem sequer perceber, os neurotípicos monitoram a linguagem corporal e o tom de voz uns dos outros – tentando constantemente detectar o que os outros pensam deles. Quando os neurotípicos sentem que estão causando pensamentos ou sentimentos desconfortáveis ou confusos, eles conseguem modificar seu próprio comportamento em tempo de manter todo mundo confortável e feliz. As pessoas autistas não têm essa habilidade natural.

Também é Jennifer que sugere a psicologia social como ferramenta para entender o que acontece.


Como acontecem interações típicas: o que diz a psicologia social

Segundo a psicologia social, quando pessoas neurotípicas se encontram e interagem, elas seguem sempre uma sequência de quatro passos:

1. observar: quando encontramos outra pessoa, antes de pensar ou fazer qualquer coisa, nós  observamos;

2.  pensar: depois de observar, pensamos sobre o que acabamos de observar;

3.  sentir: esses pensamentos, por sua vez, provocam sentimentos em nós;

4.  agir: a partir desses sentimentos, nós agimos.

 

Veja um exemplo.

Entro numa farmácia para comprar um remédio e acontece o seguinte:

1) Observo que há uma atendente com o uniforme da farmácia junto a uma estante, bem na minha frente; pela expressão do rosto e a postura dela, percebo que ela me viu, mas continuou conferindo uma lista que tinha na mão e não me deu a menor atenção.

2) Penso, “Que falta de respeito! Ela poderia pelo menos me perguntar o que estou procurando.”

3) Me sinto indignado, e

4) Ajo: saio da farmácia para ir comprar meu remédio em outro lugar.

 

Outro exemplo:

Você está andando na rua, e então

1) Você observa uma pessoa do outro lado da rua e reconhece um amigo que não via há muito tempo.

2) Você pensa, “Não é possível! O Edu por aqui!”.

3) Você se sente feliz.

4) Você age, atravessando a rua e indo ao encontro do seu amigo.

 

A pessoa neurotípica pode imaginar qualquer encontro ou interação que lhe vier à cabeça: ela sempre vai seguir essa sequência de quatro passos.

A pessoa autista, por outro lado, pode ter dificuldades logo no primeiro passo, porque ela não nasceu com a habilidade de, ao observar, perceber pistas sociais. Isso não significa que autistas não observam. Eles observam, e muito. Porém, eles observam detalhes que não têm serventia para interações sociais – a cor do cabelo da pessoa, um cartaz colado na parede atrás dela, o formato da bolsa de alguém que está passando...

As pessoas autistas não têm o primeiro requisito para uma  interação social que é observar e enxergar as pistas sociais. Lembrem-se do que Jennifer Cook explica: pessoas com autismo não têm o cérebro programado com o código “social” como os neurotípicos.


Como é que pessoas neurotípicas aprendem a observar e ler o rosto das outras pessoas?

Veja a explicação do professor Marcos Tomanik Mercadante num congresso de autismo realizado em Porto Alegre, em 2010.

O bebê típico começa a aprender a observar e ler o rosto de outra pessoa logo a partir das primeiras horas de vida quando é aconchegado no seio da mãe. Pegado ao seio, enquanto mama, ele fixa o olhar no rosto da mãe e vai aprendendo a observar e decifrar aquele rosto, mamada após mamada, dia após dia,  noite após noite. É a sua primeiríssima atividade de sobrevivência física, emocional e social. Deste modo, ele vai desenvolvendo a habilidade de observar e ler o rosto também das outras pessoas e vai se  capacitando para a vida em sociedade.

É assim que a pessoa neurotípica aprende a reconhecer se a outra pessoa está triste ou alegre, se está gostando ou detestando encontrá-la, se está precisando de ajuda, se está ansiosa, se está querendo compartilhar algo, se está receptiva para conversar etc.

4 bebês sendo amamentados e olhando para o rosto de suas mães.

O que acontece com bebês autistas?

Veja o relato de Alaine, mãe de Paulo Sérgio:

"Em dezembro de 2008, o meu filho do meio, o nome dele é Paulo Sérgio, ele tinha dois anos e cinco meses na época, foi diagnosticado como autista. Ele sempre foi bem diferente do seu irmão. Quando a gente tem uma criança mais velha, a gente consegue verificar as diferenças, quando vem uma outra criança. Então, ele sempre foi muito diferente do irmão dele. Quando ele nasceu, já alguns dias depois, nós percebíamos que ele era uma criança muito durinha. Parecia que ia ser independente. Ele não gostava muito de colo. Nós tentávamos fazer ele dormir no colo, ele sempre ficava muito esticado. Não conseguíamos aninhar ele. Pra ele ficar no nosso colo, tínhamos que colocar a cabecinha dele no ombro e segurar, pra ele deixar, porque ele não deixava. Ele sempre preferia ficar sozinho no berço. Pra mamar, ele mamou, foi amamentado até um ano, mas ele não gostava de se aninhar no meu braço, ele ficava sempre muito durinho. Então, com meu braço eu fazia como se fosse as costas da cadeira, para que ele pudesse encostar, e assim ele mamava. Ele só tinha o contato da boca mesmo dele com o meu seio. Ele não colocava a mão, como o irmão dele, que costumava me alisar e ficar me olhando, ele não me olhava, não me alisava, sempre o tempo todo olhando para o meu seio e mamando só encostando realmente a boca.”

 

Voltamos à nossa pergunta inicial: por que a interação social é tão complicada para as pessoas autistas? Porque, além de nascerem sem instinto social, elas não olham e observam naturalmente assim que vêm ao mundo, e por isso fica faltando o primeiro passo da interação social: a observação e leitura do outro.


Quando nascem, bebês autistas não leem nem mesmo o rosto da mãe. E, sendo assim, como é que as pessoas com autismo fazem para sobreviver num mundo baseado no modo de ser neurotípico? Elas precisam aprender interação social assim como se aprende uma disciplina na escola: explicitamente, racionalmente, cientificamente.


Para pessoas autistas, a convivência social precisa ser ensinada. Ela não se desenvolve intuitivamente.


Aguardamos você no próximo texto!

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